quinta-feira, 27 de março de 2008

IRREGULARIDADE, UM ASPECTO MERAMENTE POLÍTICO

Ir. Bartolomeu Martins dos Santos / M.:I.:(*)

A grande discussão da “regularidade” e “irregularidade” maçônica começou a tomar maior vulto, quando a Grande Loja Unida da Inglaterra criou os 8 Landmarks ou limites (1929), impondo regras anglo-saxônicas, portanto, particulares e não universais. O sexto landmark suscitou um grande embate com a Maçonaria Francesa. A citação da Bíblia como Livro Sagrado foi um dos obstáculos históricos que provocaram o cisma da Maçonaria Francesa entre a Maçonaria Inglesa e, Wirth diz que “os anglo-saxões, ao exigir a Bíblia, e somente a Bíblia, negam a universalidade da Maçonaria (grifo do autor) e, se encararmos o problema desse ponto de vista, a “irregularidade” está do lado deles, e não do nosso”. Oswald Wirth, dizia ainda: “somos obrigados a nos inclinar diante dos fatos. Os anglo-saxões querem ter sua Maçonaria particular e renunciam ao universalismo proclamado em 1723”( grifo do autor).

Estava criada a controvérsia, o Grande Oriente da França era decretado “irregular”. A Maçonaria Francesa entendia ser nesse ponto, particular e íntimo, o dogma religioso, suprimindo a expressão A.: G.: D.: G.: A.: D.: U.: e a leitura ou abertura da Bíblia, nos trabalhos, insistindo ser de foro íntimo a crença religiosa, optando, como Livro Sagrado, as Constituições de 1723. (Nesse particular, sem discutir o aspecto da crença de cada um, achamos apenas que como o Altar dos Juramentos é um local tido como sagrado, o mais apropriado seria que o Livro das Constituições, que preza as relações administrativas e legislativas, deveria ficar na mesa do Orador.) A França sempre foi o berço das liberdades. Muitos entendem, particularmente de seu juízo, que a Maçonaria Francesa (GOF) seja atéia, o que é menos verdade.

Mas, este foi apenas um dos pontos históricos para a discussão da “regularidade” e “irregularidade”. Jules Boucher, em SIMBÓLICA MAÇÔNICA, cita Papus: “É evidente que cada Potência Maçônica constituída sempre verá com maus olhos o nascimento ou chegada em seu local de ação de uma Potência nova, ou vinda de fora. Esquecendo-se bruscamente de todos os ensinamentos de Fraternidade, de Tolerância e de Verdade ensinado nos discursos oficiais, irão comportar-se em relação com a nova criação, exatamente como se comporta uma nova Igreja: apelo à irregularidade, excomunhão maior ou menor, proibição aos irmãos de freqüentar os recém-vindos, enfim, tudo o que se censura nos sectários religiosos.”

No mundo, hoje, existem dois blocos maçônicos: os “regulares”, isto é, os que têm a chancela anglo-saxônica e os “irregulares”, isto é, aqueles que não reconhecem a Grande Loja Unida da Inglaterra, como a ÚNICA DONA da Maçonaria, que se arroga detentora única do poder de emitir Warrants de reconhecimento. Ressalvando-se, é claro, sua situação de primeira Obediência institucionalizada. A Grande Loja Unida da Inglaterra vê-se hoje, obrigada a aceitar que a poderosa Maçonaria Norte Americana, emita Warrants de “regularidade”, por tabela. E tem mais; em situação recente, a Inglaterra retirou o reconhecimento do Grande Oriente da Itália (dirigido por Virgilio Gaito) e, os EUA (1994) o mantiveram. Situação semelhante ocorreu na Grécia. Está se formando um temporal na discussão e abrangência do poder, dito único, no caso do reconhecimento de regularidade internacional.

No Brasil, a única Potência Maçônica reconhecida pela Maçonaria da Inglaterra, como “regular” é o GOB, em tratado firmado em 06 de maio de 1935, tendo como barganha a implantação de Lojas Distritais Inglesas, no território brasileiro, subordinadas a Inglaterra e aí sim, uma afronta à soberania, num ato inteiramente IRREGULAR. As Grandes Lojas (1927) são tidas como “regulares”, através das Grandes Lojas Americanas. As demais Potências (Grandes Orientes Independentes, Grandes Lojas Unidas) sem a chancela dessas duas Potências estrangeiras, são do bloco “irregular”, muito embora estejam investidas dos preceitos legais para suas existências.

“Na realidade, os Maçons, seja qual for o Rito a que pertençam, serão sempre regulares se forem iniciados na forma exigida (grifo meu). Sete maçons, cinco dos quais dotados do grau de Mestre, podem formar uma Loja, independente e soberana fora de qualquer Obediência. Isso é incontestável.”

Jules Boucher alude aos Old Charges, ao consuetudinário, aos primeiros costumes, à jurisprudência primal, enfim, aos verdadeiros limites e conceitos do que é ou não Maçonaria.

É comum, IIr.: de outras Potências “regulares” vociferarem de espúrios e “irregulares” IIir.: (??!!) de outras Potências que não as suas e, isso, de modo irresponsável, pois fazem-no para profanos e/ou candidatos destas. Parecem não entender bem o significado político do termo “irregularidade”, mas o tem como algo fantástico, maléfico. São os novos Leos Taxil da vida. Ou na verdade, nunca, em suas Lojas, ouviram ou estudaram os aspectos históricos da “regularidade”, ou o que é pior, desconhecem os conceitos primários dos Old Charges, Landmarks e principalmente a Constituição de 1723, documento básico da legislação maçônica, por ser a primeira compilação dos antigos costumes, até então, de tradição oral.

Segundo Alec Mellor: “A noção de regularidade aplica-se às Obediências, à Loja e aos Indivíduos. Um bom Maçom é Regular quando ele passou por uma Iniciação, ou por uma Regularização, em uma Loja Justa, Perfeita e Regular e continua a pertencer a ela. Uma Loja é regular quando ela satisfaz aos critérios imperativos tradicionais”.

Historicamente, mesmo depois da fundação da Grande Loja de Londres (Modernos), o conceito de “regularidade” não existia como hoje o concebemos e, as Lojas obedeciam às Antigas Obrigações (Old Charges). A Grande Loja de York (Antigos) é “irregular”, porém, quando se fundem na Grande Loja Unida da Inglaterra, todas as Lojas, num instante para outro “viram” “regulares”, esquecendo-se todas as querelas e admoestações públicas (!). Daí para frente, salve-se quem puder...

No Direito Maçônico, alguns experts em legislação classificam conforme abaixo, os institutos que regem, por Antigüidade e usança, os limites maçônicos:

1. Antigos Deveres (Old Charges) e a Maçonaria Operativa;

2. Poema Regius ou Documento Halliwell;

3. A Lei Maçônica Especulativa: Livros das Constituições (1723);

4. O Manuscrito de Cooke;

5. Os Landmarks;

6. Usos e Costumes (Jus non Scriptum e o Segredo Maçônico)

Os chamados 8 Princípios de Regularidade nada mais é que uma demonstração ditada, imposta pelo Imperialismo Britânico. A Maçonaria é ferida nos seus princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A auto constituição e o autogoverno é frontalmente ferido na sua forma primitiva. Temos uma divisão: os filhos da Viúva e os filhos de prostitutas (??!!). A Regularidade e Irregularidade...

Para abordarmos os preceitos legais e entendermos a questão da “regularidade” vamos nos ater aos aspectos da jurisprudência. Primeiramente, de norma geral, a jurisprudência, é uma das fontes do direito. O direito origina-se da lei escrita ou de decisões reiteradas dos tribunais. Em Maçonaria, ela confunde-se com sua origem legal, tendo por base o costume – o direito consuetudinário.

Na análise: os Old Charges, as Constituições de Anderson, os Landmarks etc., sem sombra de dúvidas, transportam influências precursoras para a criação do Direito Maçônico. Muito embora a Constituição de 1723 seja tida como o documento jurídico legal do qual emana a análise do direito, nota-se que compilava antigos costumes. Para se entender melhor, Norberto Bobbio, afirma que no ordenamento jurídico, o ponto de referência último de todas as normas é o poder originário, denominado fonte das fontes. Diz Bobbio: “É a norma fundamental, sobre o que se funda? Grande parte da hostilidade à admissão da norma fundamental deriva da objeção formulada em tal pergunta. Temos dito várias vezes que a norma fundamental é pressuposto do ordenamento: ela, num sistema normativo, exerce a mesma função que os postulados num sistema científico. Os postulados são aquelas proposições primitivas das quais se deduzem outras, mas que, por sua vez, não são deduzíveis. Os postulados são colocados por convenção ou por uma pretensa evidência destes; o mesmo se pode dizer da norma fundamental: ele é uma convenção, ou, se quisermos, uma proposição evidente que é posta no vértice do sistema para que a ela se possam conduzir todas as demais normas. À pergunta “sobre o que ela se funda”, deve-se responder que ela não tem fundamento, porque se tivesse, não seria a norma fundamental, mas haveria outra norma superior da qual ela dependeria.”

Na Maçonaria, a norma fundamental é a Constituição de Anderson (1723) e sua fonte das fontes são os Landmarks, institutos nos quais foi baseada. Os antigos postulados, os Old Charges, os Landmarks, são anteriores a norma fundamental (Constituições) e não expressam qualquer noção de submissão a qualquer instituição e nem mesmo nas Constituições inexistem afirmativas de que uma Loja Regular é aquela que pertença a Grande Loja de Londres. Portanto, a Maçonaria Regular, do ponto de vista LEGAL, é a que observa, imperativamente, os critérios tradicionais. Já a Maçonaria “Regular”, politicamente, é aquela que tem o tratado de reconhecimento com a Grande Loja Unida da Inglaterra.

AAmad.: IIr.: da Grande Loja Maçônica Unida do Piauí, somos regulares de origem: somos iniciados segundo a tradição, no mais fiel costume; nossas Lojas são Justas, Perfeitas e Regulares, pois funcionam segundo a tradição de cada Rito, desde os requisitos de fundação; nossa Potência foi originariamente, formada por três Lojas Regulares, conforme o costume. Nossa estrutura administrativa obedece aos Landmarks, com um Grão-Mestre, somente. Então, de acordo com os LIMITES da usança/tradição/costumes, não burlamos a Norma Fundamental e, sempre atendemos a fonte das fontes, por conseguinte, não extrapolamos a REGULARIDADE MAÇÔNICA. Não temos, isso sim, a chancela internacional da Grande Loja Unida da Inglaterra, que no aspecto da vaidade, seria uma honra, pois trata-se da primeira Obediência institucionalizada no mundo (24 de Junho de 1717), e não a Loja Mãe da Maçonaria, Vaticano, Poder Central e, por este prisma, ela não tem ascendência alguma sobre outras Potências. A auto prerrogativa da emissão de Warrants não tem o apoio que justifica em seus 8 pontos; não tem apoio histórico e por isso, nem tampouco nenhuma autoridade sobre qualquer Potência do mundo.

Entende-se, então, com base nos requisitos consuetudinários, que atendemos as exigências legais que precípua o conceito de REGULAR. Somos sim, é certo e notório, do bloco dos ditos “irregulares” politicamente definido e, nunca, no aspecto das exigências legais de origem.

Por isso quando um ou outro Ir.: “regular” (?) nos chamar de “irregular”, solicitemos a sua pronta definição do que seja IRREGULARIDADE. O que é importante, é que tenhamos, no nosso cerne, o gérmen do discernimento e a busca pela investigação da VERDADE e não nos deixemos levar por elucubrações fantasiosas, apaixonadas e sem base alguma e/ou que tais argumentos sejam aferidores/vetores para, simplesmente, nos auto-infligirmos de pobres coitados irregulares. NÃO! Somos verdadeiros e regulares MAÇONS, na mais genuína expressão e sentido legal. Quem quiser provar o contrário, que mostre os aspectos legais e consuetudinários do contrário.

(*) Membro da Loja Cavaleiros de Antares 14, do Oriente do Piauí.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bom trabalho, caro Irmão.

A sua análise permite uma avaliação racional com comprovado lastro histórico, contribuição original de grande valia nesta seara do monopólio dogmático.

Estou preparando trabalho a propósito do tema e certamente incluirei o seu pensamento nas minhas considerações, além, claro, da referência bibliográfica.

TFA

Luiz Eloi Vieira disse...

Me curvo a qualquer trabalho do Irmão Bartolomeu.
Fui Iniciado por Ele em 1995, na Loja Alarico da Cunha nº 5, em Parnaiba